A poucos dias do reconhecimento oficial da Roménia e da Bulgária como membros, a União Europeia continua numa espécie de limbo não assumido, resultante da não aprovação por parte dos cidadãos franceses e holandeses à ratificação do Tratado Constitucional Europeu... É certo que bastava um “não”, mas este veio logo de dois dos países fundadores.
A posição oficial que transparece dos líderes de cada país é a de que nada se passou: tentar não falar muito do assunto para não ferir susceptibilidades nem comprometer relações, criando um ambiente de impasse abafado no qual não me sinto muito confortável, temendo que o futuro da Europa esteja, mais do que nunca, indefinido.
Indefinido mas não condenado, disso estou certo, pois muitas outras contrariedades emergiram desde os tempos da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (para os mais novos, a CECA das aulas de História, se bem se lembram) e, cinquenta e cinco anos depois, a realidade fala por si: mercado comum com moeda (parcialmente) única, políticas comuns ao nível da agricultura e das pescas, bem como a incorporação do Acordo de Schengen na União, mudaram, efectivamente e para melhor, a vida dos cidadãos de cada estado-membro. E o cerne do problema que vai atrasando a consolidação europeia está aí, na definição de cidadão da União Europeia como habitante de um dos seus estados constituintes.
Cada pessoa, dentro da sua nacionalidade, vai ouvindo expressões como “Banco Central Europeu”, “Tribunal Europeu de Justiça”, “Conselho da União Europeia”, “Parlamento Europeu”, “Comissão Europeia”, “Constituição Europeia” ou “Estratégia de Lisboa” que em conjunto formam uma Europa de que a maioria só tem conhecimento vago, ignorando as responsabilidades concretas de cada uma das instituições ou o significado dos acordos que foram sendo assinados ao longo dos tempos. Por exemplo, no nosso caso, até admito que um qualquer português reconheça José Manuel (Durão) Barroso como presidente de qualquer coisa “lá da Europa”… mas isso não basta!
Há já vários anos, mas especialmente agora, depois desta fase de alargamento abrupto, em que a União passou, em três anos, de 15 para 27 estados-membros, que se torna óbvia a necessidade de uma constituição que, encerrando todos os tratados europeus já em vigor, delineie novos caminhos a seguir que possam simplificar os processos de decisão.
Ora, se não conseguimos consciencializar os europeus desta urgência, não faz muito sentido continuar como nada se passasse. É imperativo aproximar a população das instituições europeias e as eleições directas não são a única alternativa. Os governos estão sempre relutantes em reconhecer que uma parte considerável da soberania da respectiva nação não está já nas suas mãos, o que em nada contribui para esta urgente mudança.
Torna-se, portanto, evidente, que é preciso dar mais crédito às acções realizadas pela UE, muito para além da iDeia de que se tratam apenas de alguns senhores engravatados lá por Bruxelas, a impor restrições, a apontar para o que vai mal em cada país e, vá, de vez em quando, mandar algum dinheiro.
Ainda mais importante que isso, há que criar o sentimento de união entre as pessoas, há que ter alemães a pensar em búlgaros como compatriotas, de igual para igual. Eu, pessoalmente, sinto-me, e sempre me senti, europeu, tanto ou mais do que português, e escrevo isto na tentativa de, de alguma forma, alertar e ajudar a construir a tal «União entre as pessoas e não uma cooperação entre estados».
Penso que não haverá um único português que não consiga reconhecer as vantagens de pertencer à União Europeia... O mesmo já não posso dizer dos franceses ou ingleses... Esta é uma forma simples de verificar que existe mesmo uma Europa a duas velocidades (e tão devagar que Portugal tem andado ultimamente…) mas, sendo essa uma realidade efectiva, não quer dizer que com a consolidação de políticas comuns e de bons desempenhos governamentais se possa chegar, em poucas décadas, a um bloco sólido que continue a caminhar para o sonho de Jean Monnet: uma verdadeira federação europeia.
